Depressão: perdas, danos e ganhos. E o conto: A terceira Margem do Rio (Guimarães Rosa)

por Cláudia Arbex

Depressão: perdas, danos e ganhos
E o conto de Guimarães Rosa: “A terceira margem do rio”

“O psiquismo, acontecimento que acompanha toda a vida humana sem se localizar em nenhum lugar do corpo vivo, é o que se ergue contra um fundo vazio que poderíamos chamar, metaforicamente, de um núcleo de depressão. O núcleo de nada onde o sujeito tenta instalar, fantasmaticamente, o objeto perdido -objeto que, paradoxalmente, nunca existiu.

A rigor, a vida não faz sentido e nossa passagem por aqui não tem nenhuma importância. A rigor, o eu que nos sustenta é uma construção fictícia, depende da memória e também do olhar do outro para se reconhecer como uma unidade estável ao longo do tempo. A rigor, ninguém se importa tanto com nossas eventuais desgraças a ponto de conseguir nos salvar delas. Contra esse pano de fundo de “nonsense”, solidão e desamparo, o psiquismo se constitui em um trabalho permanente de estabelecimento de laços -“destinos pulsionais”, como se diz em psicanálise- que sustentam o sujeito perante o outro e diante de si mesmo.

Freudianamente falando, a subjetividade é um canteiro de ilusões. Amamos: a vida, os outros e sobretudo a nós mesmos. Estamos condenados a amar, pois com essa multiplicidade de laços libidinais tecemos uma rede de sentido para a existência. As diversas modalidades de ilusões amorosas, edipianas ou não, são responsáveis pela confiança imaginária que depositamos no destino, na importância que temos para os outros, no significado de nossos atos corriqueiros. Não precisamos pensar nisso o tempo todo; é preciso estar inconsciente de uma ilusão para que ela nos sustente.

A depressão é o rompimento dessa rede de sentido e amparo: momento em que o psiquismo falha em sua atividade ilusionista e deixa entrever o vazio que nos cerca ou o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar. É o momento de um enfrentamento insuportável com a verdade. Algumas pessoas conseguem evitá-lo a vida toda. Outras passam por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro lado. Mas há os que não conhecem outro modo de existir; são órfãos da proteção imaginária do “amor”, trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede protetora embaixo deles.”
*Maria Rita Kehl (Folha de São Paulo, Uma existência sem sujeito, 2003)

Pensamentos

Nomear o sofrimento, investigar suas causas, explorar suas manifestações, descobrir que a dor se expressa com diferentes intensidades e tons. Encarar essas dores, que revelam tanto. Entrar em contato, tirar o véu, abrir a ferida. Todo esse movimento coincide com as leituras sobre as depressões; permite que eu faça os nexos e revisite minha análise pessoal, a minha clínica, as percepções intersubjetivas no contato com os pacientes.
O entorno, no meio do qual vivemos, é de luz e sombra, espaço e compressão. E sob essa iluminação difusa o eu se guia, entre os ideais que cria e as realidades internas e externas , das quais se ressente tanto.
Uma nova linguagem permite que se explore mais a fundo outro universo. Amplio minha escuta ao apreender o “idioma” da tristeza: tristeza branda, tristeza profunda, histórica, tristeza ressignificada, tristeza contingente, que vai e vem, tristeza permanente, que está, e que, mesmo assim, pode dar espaço para alguma alegria e humor. Ou pode cortar o ar, fechar as portas e janelas, comprimir e desvitalizar, e ganhar outros nomes: depressão e melancolia.

A depressão

A depressão toma o sujeito, coloca-o num lugar de ar rarefeito, ladrão da energia do viver, da troca e da abertura.
O deprimido força-se a dar conta da própria vida, enfrentar o desânimo, as horas de trabalho, os encontros e compromissos; enfrentar os minutos longos de um dia que termina no sono e recomeça muito cedo, às vezes nas madrugadas insones, outras vezes ao abrir dos olhos.

A depressão impede essa abertura para o novo, porque se refere a um desinvestimento, empobrecimento da alma, da vontade. Cerram-se os olhos para a luz, abrem-se para a escuridão densa de uma sensação pesarosa.

A depressão eclode a partir de uma perda, separação de um objeto, rompimento de uma posição psíquica que sustenta uma ligação, reproduzindo aquele momento inicial de desamparo, da percepção da fragilidade da ilusão de ser único, e de ser um com o outro. Trata-se de uma situação traumática, contra a qual a impotência do sujeito humano o coloca em contato com os perigos vindos de fora e de dentro. Trauma que permanece solto e não transcrito, sem representação possível. Angústia e depressão abrigam- sob diferentes aspectos- traços do desamparo infantil.

Pode-se dizer que a angústia fala de um perigo por vir, endereçando-se ao futuro; a depressão, ao contrário, aponta para um fato consumado e se refere a um passado.

Para Green (1988) “a separação do corpo da mãe expõe o frágil eu do recém nascido a ataques de duas origens: um afluxo, uma intoxicação vinda do exterior, e um influxo, interno, de exigências e necessidades pulsionais. ”

Refletindo sobre os primeiros contatos com esse sentimento de perda do objeto ou de aspectos dele, Delouya (apud, 2001) aponta que “a superação ou vulnerabilidade a esse estado (depressivo), dependerão, em primeiro lugar, do objeto- da sua disponibilidade para com a criança desde os primeiros momentos de vida e, consequentemente, do trabalho de luto”, e completa dizendo que “o afeto depressivo situa-se nesse ponto central de transição, constitutivo do psiquismo, em que a abdicação narcísica da onipotência e da fusão, se faz necessária.”

Remetida às primeiras ligações leio em muitos escritos que a presença materna continente (ou daquele adulto que cuida e faz esse papel), é condição fundamental para que o psiquismo em constituição possa renunciar a essa fusão, que faz dele onipotente e objeto narcísico, e que ao mesmo tempo o aliena de si mesmo. Assim, quando essa condição não se faz presente, o sujeito estaria impossibilitado de reinvestir-se, de usufruir de uma condição de desapego.

André Green (1988) chama de estrutura enquadrante o que vem com o apagamento do objeto materno, mas apenas na hipótese do amor do objeto ser suficientemente seguro, podendo desempenhar, desse modo, o papel de continente de um espaço representativo. A criança pode suportar uma depressão temporária, se o objeto materno pode ser sustentado, mesmo não estando lá. Trata-se de ter conquistado a garantia da presença na ausência, por conta da possibilidade de preencher esse vazio com fantasias, ou seja, “investimentos eróticos e agressivos sob a forma de representações de objeto.”

O vazio nunca é percebido como tal pelo sujeito, já que a libido ocupa o espaço psíquico, mas acaba por desempenhar o papel de uma “matriz primordial dos investimentos futuros.” (Green, 1988)
Se, ao contrário disso, perpetua-se a simbolização da ausência, dificulta-se a construção fantasmática própria do trabalho de luto. Como pontua Horstein, “não há futuro psíquico possível sem tramitação de certas perdas. O depressivo é acossado de todos os lados: pelo objetal (perda do objeto), pelo narcísico (condicionado pela função do objeto na economia narcísica) e pela ambivalência(desfusão pulsional). Trata-se de uma batalha.” (Hornstein, 2008)

Mas quando e como o amor do objeto não é suficientemente seguro ou continente?

A mãe deprimida ou melancólica pode oferecer essa continência, nos primeiros tempos de vida da criança?

É provável que a mãe esvaziada de libido não possa se ligar à criança, a não ser com um frágil fio de suficiência, cuidando das necessidades de sobrevivência. Assim, com um investimento focado no apoio e na conservação, o psiquismo infantil ficaria a mercê do objeto que lhe oferece o mínimo necessário, sem nexos fortes de sustentação narcísica.

A sustentação narcísica remete ao eu–ideal, que necessita ser vivenciado mas também, e sobretudo, substituído. O eu-ideal constitui, nos termos de Lacan, a grade inicial ou o molde primário, como reflexo especular do corpo da mãe. Contudo, embora apareça como um projeto para a aquisição do próprio corpo, do eu, “essas feições iniciais –do ideal- inerentes ao estado de desamparo, colocam este eu incipiente em apuros, nas fronteiras da primeira configuração de si. “Sem um manejo e uma condução apropriados pelo objeto, o sujeito permanecerá fisgado à imagem do outro.” (apud Delouya, 2001)

Que caminho percorre o eu-ideal quando há uma possibilidade de separação do objeto?

As frustrações, que se iniciam com as ausências do objeto, e a falta de respostas imediatas do desejo de satisfação são o resultado do encontro com a realidade, com a cultura. Se o sujeito pode situar-se nesse lugar de incompletude, pode do mesmo modo, construir fantasias e ideais. Passa, então, de uma posição predominantemente narcísica para outra que, em contato com a realidade, projeta diante de si um ideal que substitui o narcisismo primário.

Assim, o ideal de eu representa um formação narcísica que nunca é abandonada e, desse ponto de vista, é estruturante do psiquismo de um indivíduo.

Ainda a respeito das primeiras relações experimentadas pela criança, volta-se a atenção para a condição psíquica da mãe, primeiro objeto de investimento libidinal. Desse modo, a maneira como ela transita pelas subjetividades próprias e alheias (da sua criança interna e externa), teria repercussões importantes na constituição de um psiquismo incipiente em vias de se estruturar.

Maria Rita KEHL (2009) aponta para a vivência de um vazio não criativo na criança. Introduz a ideia de que uma mãe excessivamente boa, que não dá espaço nem tempo para que se organize uma resposta em meio ao “nada” deixado pela sua ausência. A criança, assim, ficaria refém da própria inércia, entregue à movimentação exaustiva e invasiva dessa mãe, ansiosa por atender todas as suas (prováveis) necessidades; não haveria espaço para o desejo, porque não haveria falhas, nem lacunas e tudo aconteceria antes de um pedido, antes da necessidade se apresentar, preventivamente. Estando impedida de vivenciar o auto-erotismo (no sentido de servir-se dele para tolerar um tempo que se demora) e, ao mesmo tempo, ocupar-se com fantasias, para impedir o transbordamento do excesso de pulsão, a criança naufragaria no próprio vazio. Vazio de uma relação que não se estabeleceria entre si e o outro, nem nos gestos, nem no olhar, nem em imagens.

Entendo que afetos como o ódio do objeto- pelo abandono e pelo o que ele não deu- e o desamparo, precisam ser experimentados e de algum modo, suportados, para dar lugar a uma movimentação direcionada a uma superação dessa condição. Essa “superação” se traduziria por uma introspecção, uma capacidade de se voltar para dentro e, consequentemente, encontrar um eu diferenciado, apartado do outro.

Necessária para a constituição do psiquismo, Winnicott (2005) fala de uma capacidade de introspecção, que seria percebida e conquistada a partir do contato com um tempo próprio durante a ausência do objeto primordial. Ele a nomeia como depressividade: condição que permitiria forjar e conhecer a própria singularidade, apoiada em uma relação que teria tido lugar entre mãe e filho, num movimento de interação no qual um e outro se reconheceram.

De outro modo, impedido de experimentar uma introspecção criativa, o sujeito faria uma tentativa de anular a separação, a distância e o intervalo no tempo, para impedir que o ódio se instale e atue sobre o objeto, destruindo-o e condenando o sujeito a uma vazio insuportável. Mas é exatamente nesse intervalo, no tempo e no espaço, que está a saída para a construção de uma vida interna mais autônoma e menos alienada.

Uma relação simbiótica com a mãe, que insiste, tem efeitos nefastos no psiquismo. Assim como a insuficiência da mãe alquebrada, enfraquecida, o excesso da mãe eficiente também predispõe o sujeito a um vazio sem vitalidade, como duas paredes próximas, como uma fenda muito estreita.

Cada perda é vivida como morte, aprofunda-se e estreita-se a fenda. Trata-se de uma ferida aberta, sem cuidados. Trata-se da ausência de Eros, porque as separações são vistas e sentidas como um desligamento, um esvaziamento, um empobrecimento do próprio ego.

De acordo com MacDougall, se o psiquismo fica fixado a uma imago objetal arcaica, ficará mais tarde dependente de certos objetos, com uma intensidade que procura neles “o segmento perdido da estrutura psíquica”. (apud Sendyk, 2009)

A dependência química, por exemplo, pode servir de empréstimo para uma reação contra a condição depressiva que se impõe ( uma defesa), mantendo a ilusão de uma união fusional nunca desfeita com a imago materna. Funcionaria como um registro de narcisização, mesmo que artificial. Seguindo a idéia de uma prótese narcísica, ou de um artificialismo, a adicção ou qualquer tipo de dependência severa, parece servir como recheio de um vazio intolerável, vazio que denuncia a falta de resposta do outro.

Faces da Melancolia

A identificação narcísica é a mais primitiva, e fixa o sujeito numa posição de dependência total do objeto, concreta e sem intermediação simbólica alguma. Conserva o vínculo em que o objeto e o eu são os duplos um do outro.

A identificação melancólica, como uma das patologias narcísicas, é a forma fracassada da identificação simbólica com o ideal. Jean FLORENCE (1984) considera que, na melancolia, a perda do objeto não dá lugar a um luto, processo durante o qual a dor é vivenciada por algo que, dia após dia, a realidade faz reconhecer como perdido; nessa patologia, a perda do objeto dá lugar “a uma ligação sadomasoquista sem medida, delirante, no cenário do eu, fora de toda obediência à realidade.”

A impossibilidade de deparar-se com a insatisfação, assimilar o ódio pelo objeto que instaura a falta, e transitar num espaço de tempo que permita criar algo próprio, torna o sujeito propenso a uma depressão paralisante, à espera, sempre passivamente à espera do Outro. Um Outro que se tornará seu intérprete para sempre.

A tristeza profunda ou melancolia, também pode ser escutada como “sinal de um ego primitivo ferido, incompleto, vazio.” ( KRISTEVA,1989)

Para Freud, a angústia de morte da melancolia é atribuída a um ego resignado, por se sentir odiado e perseguido pelo superego, em vez de se sentir amado. “Com efeito, viver tem para o ego o mesmo significado que ser amado: ser amado pelo superego.” (FREUD, 1923)

É a falta que dá lugar ao desejo. A falta é instaurada pela insatisfação, como um alargamento espaço temporal, e necessita ser substituída por uma construção singular, sob pena de ser transformada em um buraco negro. Essa substituição, porém, só se torna possível a partir de um movimento de diferenciação e separação. O desejo precisa de espaço e tempo para ser reconhecido, legitimado. Tempo de esvaziar para preencher, espaço para perceber-se separado. Duas condições que, se sustentadas, podem fazer da falta uma pré-condição para que o psiquismo se organize e sustente as renúncias, e a partir delas, possa fazer escolhas.

Mas a falta pode também tornar-se um buraco na malha representativa do eu, pelo qual se esvai a energia libidinal. Esse vão sem significação, expressa a impossibilidade do melancólico de se assegurar da presença do objeto, dos sedimentos das identificações primárias. Esses constituem e servem de sustentáculos das montagens fantasmáticas por meio dos quais o sujeito investe os objetos do mundo.

Desejo é movimento. O sujeito desejante pode erguer um projeto. O depressivo não acha que vale a pena.

Edler (2008) escreve que “O estado de desejo ou, em última instância, o desejo insatisfeito pelo desencontro com o objeto que com ele não coincide totalmente manterá o psiquismo em movimento.”
O freio do sujeito deprimido às vezes se manifesta numa atitude de “não saber”; qualquer outro sabe mais sobre ele mesmo. O referencial externo o confunde e invade de mandatos contraditórios, de todos os tipos, com todas as demandas de histórias alheias.

Maria Rita kehl (2009) enfatiza que:
“A capacidade de captar o afeto de um outro precede a aquisição da linguagem. Nada resta à criança senão reagir à experiência afetiva da mãe ……Afora o que representa para a mãe, a criança não possui existência psíquica possível: fonte de vida para o filho, ela é também seu aparelho de pensar.”

É nessa condição de desamparo e dependência que o sujeito fica a mercê do outro, de um saber externo, de significantes que vazam de um olhar, do som de uma voz familiar, do calor do contato. Entregue aos cuidados do outro, sua vida só tem continuidade nesses encontros. O rompimento desse ciclo torna-se algo assustador, como a morte.

Toda vez que a separação e a diferença deixam de ser percebidas como aquisições psíquicas, uma situação desse tipo passa a ser temida, como se fosse uma perda, como um luto ameaçador e empobrecedor.

A produção imaginária nos depressivos é escassa, a pobreza das formações imaginárias deixa o sujeito preso a um oco psíquico. Por isso a ilusão de uma união fusional com a imago materna precisa ser mantida a todo custo. Mesmo que essa ilusão seja substituída por tudo que envolve o princípio de realidade, o desejo de fusão é uma busca permanente e nunca é saciado. Todo adulto tem em si uma criança que aspira, como uma única saída do desamparo, à união total com o outro. O erótico pressupõe a dissolução de um estado de existir descontínuo, e promete uma ocupação integral do ser. Não há distância, não há diferença possível.

Quando se vence a luta contra a divisão primordial que dá origem ao individuo, escreve MacDoughall (apud Sendyk, 2009), “cede-se lugar a ajustes variados, sintomáticos: a construção de modelos de personalidade narcísica, soluções adictivas como a dependência de drogas ou de medicamentos, alcoolismo, bulimia”, e um ataque permanente ao objeto e, portanto, ao próprio ego. Todo desligamento enfraquece o investimento libidinal erótico liberando, em conseqüência, investimentos destrutivos. As soluções adictivas apontam para uma dependência de próteses que materializem ilusoriamente ou alucinem o objeto ou partes dele.

Freud enfatiza que o melancólico se apropria do objeto, erigindo-o no próprio ego, para desse modo não correr o risco de esvaziar-se de seu conteúdo ou forma. Ao mesmo tempo, o ódio instalado pela sua perda, invade o sujeito, e o superego se constitui abarcando-o e proferindo ataques ao ego. A sombra do objeto recai sobre o ego. Perpetua-se uma ligação ambivalente e sádica que gera um ciclo vicioso culposo.

No melancólico fracassa a conservação do objeto no seio do eu. Fracassa também qualquer possibilidade de processamento e elaboração da ambivalência afetiva originária. O ódio predomina e se transforma numa arma suicida.

Por outro lado, o luto pressupõe o abandono de uma posição aderida ao objeto e identificada com ele. O objeto é abandonado e substituido, e isso significa dizer que o objeto é reconhecido como incompleto, portador de falhas. Se o luto é suportável, salvaguarda o contato com a realidade, e mais do que isso, sustenta o sujeito num lugar que o mantém (durante o processo) desembaraçado de inibições, sejam elas corporais, psíquicas ou relacionais.

A elaboração do luto traz um ganho narcísico, nas palavras de FREUD. Uma vez rompido o vínculo com o objeto aniquilado, a realidade acaba por conceder ao enlutado a vantagem de permanecer vivo.

Como se abandona o objeto perdido? Em que lugar um pai morto pode ficar, permanecer?

Renata Udler CROMBERG (2002/2004), em seu artigo, fala da recuperação de algo vivo, como imagem, traço de memória sensorial e perceptivo. Considera que o legado de um pai fecundo é uma presença interna, apropriada pelo filho. “É preciso, sim, assassinar o pai na fantasia para poder aceitar a sua morte. Assassinar o excesso de pai, devorar e mastigar o corpo imaginário do pai idealizado.” Esse movimento traduz um operação psíquica, segundo CROMBERG, “necessária para que se tome para si o que antes era atribuído ao pai:D a função de abertura e acesso a erogeneidade, constantemente presente e renovada.”

A característica definidora da posição melancólica é a impossibilidade permanente do sujeito de fazer o luto. O sujeito insiste por manter algo de um ideal no interior do eu. A depressão surge da falta de ideais, e na tentativa do sujeito ser seu próprio ideal, ele fracassa. E desse fracasso a depressão se alimenta e cresce.

Necessária como caminho para uma introspecção que dá corpo ao ego, mas também, perversa e desvitalizadora, a depressão tem muitas caras.

Mas a melancolia é, de longe, a cara mais feia e cruel da depressão.

O conto: A Terceira Margem do Rio (Guimarães Rosa)

Certa de que uma obra de arte pode suscitar diversas e amplas leituras e interpretações, pela própria grandiosidade que abriga em si, faço uma abordagem psicanalítica do conto de Guimarães Rosa, ciente de que se trata apenas de um viés, dentre um universo de abordagens possíveis.

O conto me proporcionou a oportunidade de exercitar, a partir de uma visão muito pessoal, a re-significação de leituras, discussões e reflexões sobre as depressões.

Escolhi a “A terceira margem do rio”, que ao me tocar profundamente, pareceu conversar com as idéias e considerações sobre a melancolia, “injetando na veia”( como toda grande obra) aquela substância amarga e fria que percorre o corpo de um enlutado, pela perda do objeto amado.

Narrado em primeira pessoa, descreve, em poucas páginas e com uma intensidade impressionante, a partida de um homem, pai de família, que abandona tudo para morar dentro de uma canoa, no meio do rio.

Sob a perspectiva do filho, o pai torna-se ausência e presença, locado em um universo indeterminado e sem possibilidade de significação, em águas turvas, na “terceira margem” do rio.
O conto traz a idéia da existência de um lugar em que movimento e estagnação coexistem: a canoa se embala sobre águas paradas.

Lugar sem nome. Espaço no qual fica aprisionado o depressivo: um espaço psíquico esvaziado, destacado do entorno, solitário, que impede um deslocamento.

A tentativa angustiada de contato do filho-narrador com o pai percorre o conto inteiro, como se houvesse, a partir de sua partida, uma intensificação da ligação com ele.

A terceira margem nos remete a um espaço que é o avesso do que se delimita ou se conhece. Toda a subjetividade é impressa nas percepções do personagem- narrador, que pensa o pai dentro da canoa, no meio do rio.

Identificado maciçamente com ele, o filho fica preso de uma culpa que o leva a desejar tomar o seu lugar.

Homens lançados à margem de qualquer possibilidade, pai e filho se demoram e se encontram e desencontram, imaginariamente, no meio do rio.

Metáfora da morte, a terceira margem é lugar nenhum; é ausência e desamor. O pai é o meio do rio, de águas mais profundas, inacessível ao olhar, frio.

O filho é culpa, abandono de si, presa da angústia e do desinvestimento do pai.

Morrem pai e filho.

Pai morto…mãe morta… Uma passagem do texto de Green (1988) descreve o que pode ser a tormenta do sujeito, cujo objeto de amor (uma mãe enlutada), está morto e perdido para ele:
“…Presente morta, mas assim mesmo presente. O sujeito pode cuidar dela , tentar acordá-la, animá-la, curá-la. Mas se, em contrapartida, curada, ela acorda, se amina e vive, o sujeito a perde também, pois ela o abandona para cuidar de suas ocupações e investir outros objetos. De forma que lidamos com um sujeito preso entre duas perdas: a morte na presença ou a ausência na vida. Disto decorre a extrema ambivalência quanto ao desejo de devolver a vida à mãe. ”

Passagens

“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente- minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.”

Ausência sentida, silêncio e ruído, o pai se retira desde sempre. Não entra em cena, não “faz liga”, não ralha e não rege, não participa, não se envolve.
Pai que nunca esteve, passa a habitar um imaginário pobre de referências, escasso de fantasias.

“Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo- a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.”
O desligamento se anuncia. O deslizar da canoa prenuncia o distanciamento inevitável e a ausência.
Pai que se torna figura fugidia, distanciada de uma realidade compartilhada, um apêndice, uma ferida aberta.

“Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava aquela invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.”
Presença ausente, o pai vira um fantasma. Inaugura um sentimento de abandono; o inconformismo invade o filho, instala a necessidade de achar um sentido para o que não se explica. O vínculo atormenta, vínculo com aquele que parte, desaparece e não volta.
Separar-se do pai vira uma tarefa impossível.

“Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o que comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora.”
Alimento que aprisiona porque perpetua a vida, fugidia, do objeto. Vida nenhuma, cercada de uma atenção suspensa, alerta, esperançosa. O filho conserva e preserva a presença ausente do pai.

“Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou nem em chão nem capim. …”
O pai passa a não pertencer a lugar nenhum, despoja-se da realidade concreta e se despede do viver.
Corta os laços, como quem morre, ou pula num abismo, que é um fundo insondável.

“…não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e , se , por pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos”
Angústia e dor. Ferida por não recuperar o que não se dá por perdido, ou o que não se quer perder. Marca traumática de uma perda insuportável: separação “à fórceps”, “arrancamento”.

“…se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não encontrável?”
A tormenta de estar perto e, ao mesmo tempo, impedido de estar junto, é um vínculo mortífero.
O desejo de afastamento e o ódio se transformam em uma espera passiva, desejosa do movimento alheio, de aproximação, que nunca acontece.

“…eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei- na vagação, no rio, no ermo- sem dar razão de seu feito.”
Culpa e resignação.
O sujeito justifica seu aprisionamento, adere ao outro, camuflagem de si mesmo. Cuida deste que é o outro em si mesmo.

“Sou homem de tristes palavras. De que era que tinha tanta, tanta culpa? Se meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio- pondo perpétuo. Eu sofria já o começo da velhice- esta vida era só o demoramento.”
O tempo quase para, mas segue passando ao largo da vida. Espera eterna, sem movimento.
Pai e filho, estagnados em uma união de morte. Ligação e desligamento…

“Mas, então, ao menos, que , no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro- o rio.”
Desejo louco de substituir o pai, traga-lo para o fundo da alma e transformar-se nele.
Melancolicamente , afogar-se nas águas turvas e confundir-se nelas.

Bibliografia:

CROMBERG, Renata Udler. Fedida e o erotismo da palavra dos começos: Uma homenagem afetiva. Revista Percurso (n.31/32), 2003/ 2004
DELOUYA, Daniel= Depressão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. (Coleção clínica psicanalítica.)
EDLER, Sandra. Luto e Melancolia: à sombra do espetáculo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. (Para ler Freud)
FEDIDA, Pierre. Dos benefícios da Depressão: elogio da psicoterapia- São Paulo; Escuta, 2002
____________. Depressão – São Paulo; Ed. Escuta; 1999
FLORENCE, Jean. Identificações, 1984
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. 1917. vol. 14
_____________. O ego e o id. 1923. vol. 19
GREEN, André. Narcisismo de Vida- narcisismo de morte. Capítulo 6: “A mãe morta”, 1988
KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: atualidade das depressões. Capítulo 9: Ceder em seu desejo: o vazio depressivo. São Paulo: Boitempo, 2009
KRISTEVA, Julia. Sol Negro: depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Rocco, 1989
LAPLANCHE, Jean. Dicionário de Psicanálise
HORSTEIN, Luis. As depressões. Afetos e humores do viver- São Paulo; Via Lettera: Centro de Estudos Psicanalíticos, 2008.
ROSA, João Guimarães. ”A Terceira Margem do Rio” in Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985.
Sendik, Susan Masijah. Fora de Si: uma relação de dependência e o prejuízo na formação simbólica. Monografia, 2009
VILUTIS, Isabel D. Mainetti. Culpa e Identificação na Clínica da Melancolia-comentário sobre o texto “luto e melancolia” de Freud
WINNICCOT, Donald. O valor da depressão. In: Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Do olhar à escuta: a descoberta da importância da fala nos primórdios da Psicanálise

por Cláudia de Almeida Gallo

“Houve um tempo na Grécia arcaica em que as palavras faziam parte do mundo das coisas e dos acontecimentos. A palavra, juntamente com as condições de sua enunciação, não valia apenas por seu sentido manifesto, mas como signo a ser decifrado. Através de tal processo, um outro sentido, oculto e misterioso, emergia numa profusão interminável de decifrações. Essa era a palavra do aedo, poeta-profeta, palavra portadora da alétheia, da verdade. O psicanalista seria aquele que sabe que o relato do paciente é um enigma a ser decifrado. E, no enigma, verdade e engano são complementares, e não excludentes.”(L.A. Garcia-Roza)

Depois de tanto já ter sido dito e escrito sobre a cura pela fala, ou “talking cure”, o que demonstra a dimensão da importância desta descoberta, parece que nada mais restaria a ser dito sobre este assunto. Entretanto, ainda assim permanece o impacto em cada um que lê ou relê os primeiros textos freudianos.

Acompanhamos, já à distância, a genialidade e ousadia de Freud e entendemos que, por mais antiga que seja sua descoberta, será sempre na perspectiva da invenção que precisamos situá-la. E é neste sentido que toda nova mirada a estes textos se justifica, para apoiar a invenção da clínica nossa de cada dia.

Neste trabalho pretendo, destacando as passagens do próprio corpo dos textos freudianos do final dos oitocentos, refazer o caminho através do qual pouco a pouco se revelou a Freud sua própria descoberta – invenção.

Esses textos, escritos a partir de 1893 até 1895, situam-se numa época anterior ao chamado nascimento da Psicanálise, cujo marco considera-se a “Interpretação dos Sonhos”, texto de 1900. Contudo, embora ainda de forma embrionária, neles encontramos o esboço das principais noções e conceitos que futuramente constituíram-se nos pilares do novo saber. Dentre eles, como marco revolucionário, podemos destacar o lugar da fala livre e sua correspondente, a escuta.

Um pouco de história

No final do século XIX como uma crítica ao saber médico vigente à época, nasceu uma alternativa. Frente às limitações encontradas no tratamento de mulheres, com sintomas físicos não explicados por causas orgânicas, e impelido por enorme curiosidade e inclinação investigativa, Freud empreendeu uma longa jornada na busca de respostas a este fenômeno, levando-o a construir a partir daí um arcabouço teórico e técnico de inestimável valor, a Psicanálise.

As histéricas intrigavam os médicos com sua profusão de sintomas impossíveis de serem tratados com os métodos correntes, não havia naquela altura compreensão da especificidade desse quadro clínico e tampouco tratamento específico. A dor histérica e seus sofrimentos eram acompanhados segundo a prática clínica vigente, a observação dos fenômenos e a busca de sua resolução. A ênfase situava-se no olhar.

Porém, na França iniciava-se um novo modo de tratamento, idealizado por Charcot, que pretendia curá-las utilizando o método da hipnose. Este consistia em, induzir a paciente a um estado semiconsciente, no qual a mesma era estimulada a recordar lembranças passadas e extravasar seus sentimentos relativos às mesmas, os quais até então estariam represados. A seguir, retornando à consciência, os sintomas desapareceriam.

Interessado pelo assunto Freud já o estudava. Sabendo dos trabalhos de Charcot decidiu então, aprimorar seus estudos com ele e durante algum tempo utilizou a técnica da hipnose com os mesmos objetivos, a recordação do trauma e a derivação por reação, desbloqueio da estase pulsional através de uma reação emocional.

Entretanto, Freud observava que embora o tratamento suprimisse o sintoma, este desaparecimento era temporário, retornando em seguida de outro modo. Fez então, a seguinte suposição: embora fosse importante que a paciente recordasse seu momento traumático, esta lembrança deveria acontecer através de um trabalho consciente e voluntário de dominar a crítica e a censura e não mais sob estado hipnótico.

A partir de então, alterou-se a prática clínica e iniciou-se a construção de um novo método, no qual a ênfase deslocava-se progressivamente para a descoberta dos mecanismos que provocavam a dor histérica, e sua compreensão vinha através da escuta do que a paciente dizia em estado de vigília.

Abandonada, ainda que não de todo, a hipnose, Freud foi à busca de novas técnicas para estimular a fala. Iniciou com o apremio, insistência, ou em suas palavras “coerção psíquica”, para que a paciente revelasse tudo o que estivesse pensando, sem censurar, ainda que os conteúdos parecessem irrelevantes, inconvenientes, ilógicos. Serviu-se também, de um pequeno artifício, ligeira pressão na testa da paciente acompanhada da afirmação de que lhe ocorreria uma lembrança qualquer ou mesmo uma imagem, e se comprometia a delas dar conta, quaisquer que fossem.

Com o passar do tempo, ele foi abandonando todas estas técnicas à medida que suas teorias se desenvolviam. O aprofundamento da compreensão acerca da função das defesas, da resistência oferecida ao processo de cura e sua relação com a figura do médico, a transferência, o levaram pouco a pouco a enfatizar o trato destas questões, interpretando-as, em um processo de esclarecimento e dispensando estes artifícios.

Mas, naquela altura, eram essas intervenções que constituíam a base técnica do novo método, chamado análise catártica.

A fala livre ganhando seu lugar

Em seu texto “O Mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos”, conhecido como “Comunicações Preliminares”, escrito em1893, em parceria com Josef Breuer, Freud afirma explicitamente ainda não haver encontrado as causas internas da histeria, apenas se aproximado dos mecanismos dos sintomas histéricos. A busca dirigia-se para a identificação da relação causal entre o sintoma aparente e o trauma vivido que o justificaria, este atuaria como causa inicial, do mesmo modo como uma antiga dor nos leva às lágrimas. “Assim, pois, as histéricas sofrem principalmente de reminiscências”

Buscar a recordação do trauma e sua expressão emocional tornou-se o objetivo do tratamento. Em outro trecho do mesmo texto, ele diz: “… os diferentes sintomas histéricos desapareciam imediata e definitivamente quando se conseguia despertar com toda clareza a lembrança do processo provocador e com ele o afeto concomitante, e descrevia a paciente, com o maior detalhe possível, dito processo, dando expressão verbal ao afeto”.

Entretanto o que era mais evidenciado, na época, como causa dos sofrimentos, era principalmente a perda ou debilitação dos afetos, sobretudo quando o sujeito não reagia aos fatos, pois uma vez ocorrida alguma reação grande parte do afeto desapareceria, pois seria devidamente descarregado. A recordação desprovida de afeto carecia quase sempre de eficácia. Porém, ele não deixa de enfatizar: a lembrança de uma ofensa respondida ainda que somente com palavras, produz efeito muito diverso daquela tolerada sem protesto. A fala estava definitivamente em questão.

O homem encontra na palavra um subproduto do ato, podendo substituí-lo por ela, através da qual o afeto pode ser descarregado. Muitas vezes a própria palavra é o meio mais adequado para aliviar o peso do trauma. Quando não se produz nenhuma reação, seja por atos ou palavras, a lembrança do fato conserva a intensidade afetiva e sua força patogênica.

Porém, a ab-reação não era a única forma de anular os efeitos traumáticos de uma determinada experiência. A recordação entra no complexo associativo do sujeito, podendo ser corrigida por outras representações, contribuindo para reduzir os efeitos negativos no próprio indivíduo. Com o passar do tempo, as lembranças sofreriam uma espécie de desgaste e perderiam a capacidade de produzir enfermidade. Quando os dois meios de descarga encontram-se impedidos, tanto a reação por ato quanto por elaboração associativa, as marcas permanecem intactas e disponíveis para vir à tona ao encontrar uma condição que as favoreça.

O método desenvolvido por Freud, naquela altura, atuava curativamente anulando a eficácia da representação não descarregada inicialmente, dando saída, por meio da expressão verbal, ao afeto correspondente, que havia permanecido estancado e levando a correção associativa, por meio de sua atração à consciência normal ou de sua supressão por sugestão.

A relação entre recordar e exprimir, verbal e emocionalmente, experiências traumáticas vividas no passado, permaneceu na linha de frente da compreensão freudiana para o tratamento da histeria. Seus casos clínicos, descritos nessa época, são prova viva desta aposta teórico-clínica, como no exemplo da Srta. Elizabeth Von R.

Buscando compreender a enfermidade de sua paciente, Freud investigava arduamente as lembranças relativas à época do surgimento de seus sintomas e as manifestações contemporâneas, com o objetivo de relacioná-las entre si encontrando o fio que as ligava, incentivando sua expressão. Ele percebia a existência de um conflito entre forças opostas e afirmava que: “… o resultado deste conflito era a expulsão da representação erótica da associação e o afeto concomitante era utilizado para intensificar ou renovar uma dor psíquica ocorrida simultaneamente ou pouco antes”.

A paciente era convidada a falar e:… “quando emudecia, porém manifestava continuar seguindo dores, podia ter a segurança de que não me havia dito tudo e a instava a continuar sua ‘confissão’ até que a dor desaparecia”. Ficava cada vez mais clara, a compreensão de que as dores eram uma manifestação desviada, deslocada dos afetos aos quais corresponderiam, e também se tornava cada vez mais explícita, a relação entre o ato de fala e a remissão das dores. As lembranças esquecidas deveriam ser novamente incluídas nas associações.

Porém, o quê deveria ser recordado ainda era uma questão para Freud. Ele sabia que se tratava de assuntos referentes à sexualidade, vividos na primeira infância, mas relacionava-os a traumas reais, seduções sofridas por suas pacientes, e em última análise perpetradas por seus pais, pois as lembranças a isso remetiam.

Somente em setembro de 1897, quatro anos depois, em uma carta a Fliess, ele abandonou a tese que ficaria conhecida como “Teoria da sedução”, finalmente admitindo, em sua famosa frase “… não acredito mais na minha neurótica.” A partir daí, abriu-se o caminho para dar à fantasia o estatuto de realidade, entretanto muito caminho ainda teria que ser percorrido.

Em 1895, no texto “Psicoterapia da Histeria” Freud deu continuidade às suas investigações sobre o tema da histeria, desenvolvendo-o um pouco mais. Agora escrevendo sozinho, sem mais a presença de Breuer, assumiu algumas mudanças de posição. Ao mesmo tempo em que abandonava certas linhas de entendimento do fenômeno, importantes inovações eram afirmadas, como por exemplo: o desvelamento da existência de processos defensivos e sua relação com as representações de natureza penosa; a descrição do processo de repulsa pelo eu destas representações e suas motivações; a compreensão dos fenômenos transferenciais e a respectiva resistência e tantos outros caminhos que este texto nos convida a seguir.

Contudo, para manter o objetivo deste trabalho, devo abdicar de seguir estas atraentes trilhas e destacar o primeiro parágrafo do texto onde ele retoma a idéia já apresentada em 1893, reafirmando a importância da expressão verbal dos afetos no tratamento da histeria e sua relação com a recuperação da memória esquecida.

Em outra passagem do referido texto, ao esclarecer as vantagens do procedimento da pressão na fronte, ele se refere a retirar as atenções da paciente de seus assuntos e reflexões conscientes para conduzi-la ao encontro das representações patógenas. Estas, supostamente esquecidas, se encontrariam sempre “por perto” e poderiam ser encontradas por meio de associações acessíveis, necessitando apenas superar um certo obstáculo, a vontade do sujeito.

Na medida em que as representações patógenas raramente encontravam-se próximas da superfície, o que costumava emergir eram elementos intermediários, entre o ponto de partida e a representação buscada, ou seja, elos de uma nova série de pensamentos e lembranças. O que se tornava visível era o caminho que conduzia às representações esquecidas e que indicava o sentido em que a investigação deveria continuar.

Esta idéia de elos, de uma corrente, nos faz pensar que se tratava de restabelecer a cadeia associativa do sujeito, ligando as representações em algum momento separadas. Seguindo este fio, podemos encontrar indícios da percepção de Freud da importância não apenas da expressão verbal, mas também dos processos de produção da fala, ou seja, como é produzido o que será dito, os caminhos percorridos até que se dê a manifestação através da fala. Os obstáculos criados pela resistência e as trilhas de facilitação encontradas.

Considerações finais

Algum tempo depois, Freud abandonou o método catártico, não buscava mais a rememoração de fatos traumáticos específicos, não acreditava mais em vivências únicas que determinavam o quadro histérico. Portanto, não buscava uma manifestação emocional relacionada exclusivamente a elas.

Por outro lado, manteve sua convicção na etiologia sexual das neuroses e no fato de que ao falar revelava-se, ou dito de outro modo, emergia um sujeito, com toda a riqueza de suas vivências, suas fantasias, seus conflitos, seus impasses, seus sonhos, esperanças e desejos. Vencer as resistências do recalque e, suprimir as lacunas da memória permaneceu durante mais algum tempo, o objetivo de seu trabalho. A comunicação oral tornou-se a partir de então, e para sempre, a modalidade de trabalho da nova ciência, e a fala a matéria prima com a qual lida o psicanalista.

Instituída a técnica da associação livre, tarefa que cabe ao paciente, criou-se sua correspondente no analista, a atenção flutuante. Nesta posição, este não deve selecionar os conteúdos trazidos à tona pelo paciente, não deve esperar ou buscar coerência lógica no discurso, sobretudo deve ater-se ao fato de que o que está em cena é outra lógica, aquela produzida pelo inconsciente e que funciona por modalidades especiais de formação e expressão.

Finalmente, através destes textos, pudemos acompanhar a passagem progressiva da fala em estado hipnótico para o exercício voluntário e consciente da mesma, embora sabendo que esta é orientada pelas determinações inconscientes. E a mudança, no que diz respeito à posição do analista, do olhar dirigido aos fenômenos observáveis no paciente à escuta dos seus relatos, incluídos aqui suas brechas e falhas.

É no âmbito da linguagem, desde o início que Freud se move. É seu ponto de partida teórico e o lugar a partir do qual localiza a emergência do humano. Somos humanos por nascer no registro da linguagem e sujeitos por nele permanecer.

Referências bibliográficas:

Breuer, J. e Freud, Sigmund (1893) “El mecanismo psíquico de los fenômenos histéricos” (Comunicación preliminar) in Obras Completas vol.10. Buenos Aires. Ed. Santiago Rueda.

Freud, Sigmund (1895) “La Histeria” cap.2. ‘Histórias clínicas’ in Obras Completas vol.10. Buenos Aires. Ed. Santiago Rueda.

Freud, Sigmund (1895) “La Histeria” cap.3. ‘Psicoterapia de La Histeria’ in Obras Completas vol.10. Buenos Aires. Ed. Santiago Rueda.

Freud, Sigmund (1894) “Las Neuropsicosis de defensa” in Obras Completas vol.11. Buenos Aires. Ed. Santiago Rueda.

Garcia-Roza, Luis Alfredo (1998) “Palavra e verdade: na filosofia antiga e na psicanálise”. Rio de Janeiro. Ed. Jorge Zahar.

Gay, Peter (1989) “Freud: uma vida para o nosso tempo”. São Paulo. Ed. Companhia das Letras.

Sobre a habilidade de transitar pelas fronteiras

por Tânia Corghi Veríssimo

Quem deteria a patente disso que se faz absolutamente universal como categoria, indiscutivelmente, singular em seus modos de expressão e recebe o nome de sofrimento?

Sofrimentos psíquicos – As lutas científicas da psicanálise e da psiquiatria pela nomeação, diagnóstico e tratamento, livro derivado da dissertação de mestrado de Julia Catani, é uma obra que, ao apresentar seu título, enuncia para o leitor uma odisseia a ser empreendida, antes mesmo de ele folhear suas primeiras páginas. Explicativo tanto quanto à sua proposta de abordagem temática e descritivo como ao seu objetivo de pesquisa, o título, por si só instigante, funciona como um convite à adoção de uma postura analítica para quem nele se debruçar, naquilo que se refere à decomposição das partes de um texto e de importantes palavras ali encadeadas.

Na cadeia de palavras entoadas pela autora para intitular seu trabalho, deparamos, primeiramente, com a terminologia sofrimentos psíquicos, substantivo flexionado no plural. Ao longo da leitura, percebe-se que essa escolha pelo plural não atende a um mero formato gráfico e se constitui como importante diretriz para uma pesquisa que explora a pluralidade de expressões dos sujeitos em sofrimento ante o desafio da nomeação, diagnóstico e tratamento oferecidos pelas ciências.

No prefácio, Dunker pontua o sofrimento como “categoria que não é nem psicanalítica nem psiquiátrica, mas universal” (p. 13), afirmando-o em seu caráter transcendente, não circunscrito em bordas de um único campo ou em um único discurso. Foucault (1996) nos lembra que: Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo que é o objeto do desejo;

[…] a história não cessa de nos ensinar, o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo. (p. 10-11)

Uma vez no campo do discurso, abrem-se questões em torno de um panorama não mais universal. A palavra lutas, encontrada no título, elimina a noção de uma suposta neutralidade e enuncia a busca das ciências por uma hegemonia discursiva. Quem deteria a patente disso que se faz absolutamente universal como categoria, indiscutivelmente, singular em seus modos de expressão e recebe o nome de sofrimento?

Na apresentação, o leitor encontra tanto como objetivo da pesquisa “(…) a descrição e a análise dos conceitos de Transtornos Somatoformes (TS) na perspectiva psiquiátrica e psicanalítica e para isto realiza um mapeamento e uma discussão da temática de modo histórico e nos diferentes campos do conhecimento” (p.17) quanto com a fronteira a partir da qual a autora situou as lutas científicas da psiquiatria e psicanálise, ou seja, a investigação das proximidades existentes entre o conceito de histeria na obra freudiana e o conceito de TS, no Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais (DSM) e na Classificação Internacional de Doenças (CID) em suas diferentes versões. A obra introduz cruzamentos entre discursos e tempos históricos, abrindo oportunidade para boas reflexões. De um lado a histeria, diagnóstico bastante explorado, de caráter fundante para a psicanálise, desde o século XIX alvo das pesquisas de Freud e Charcot; do outro os transtornos somatoformes, uma nomeação recente oferecida pela psiquiatria em versões da CID e do DSM reformuladas ao longo do século XX e XXI.

Ao optar por deslindar uma fronteira entre psiquiatria e psicanálise, o trabalho revela sua complexidade e se coaduna a uma definição de Martins (2014), quando discute aspectos da multiplicidade da fronteira:

(…) lugar revelador do desencontro de temporalidades históricas, aquilo que configura o que é essencialmente o lugar de alteridade. A fronteira é o lugar da liminaridade, da indefinição e do conflito. Tem sido o lugar da busca desenfreada de oportunidades. É um lugar privilegiado de observação sociológica e dos conflitos e dificuldades próprios da constituição do humano no encontro de sociedades que vivem no seu limite e no seu limiar da história. (p.10)

O livro divide-se em oito capítulos. O primeiro refere-se a uma introdução dos elementos de um mapa do sofrimento psíquico nos séculos XX e XXI, perpassando a histeria e os transtornos somatoformes. O segundo e o terceiro entoam uma discussão sobre o diagnóstico da histeria em psicanálise e questão do diagnóstico em psiquiatria, respectivamente. O quarto e o quinto tratam dos transtornos somatoformes nas diferentes versões da CID e do DSM. O sexto discute a identificação do sofrimento psíquico no campo científico, enquanto o sétimo, último capítulo antes das considerações finais, traz como título uma pergunta: “A histeria e os transtornos somatoformes: nomes diversos para a compreensão do mesmo sofrimento psíquico?”.

O respeito à historicidade serviu como ponto de partida essencial para a formulação dessa questão e a abertura de tantas outras na obra. A partir de um resgate criterioso, primeiramente da histeria em Freud, depois da classe de transtornos somatoformes na CID e no DSM, das primeiras às últimas reformulações desses manuais, Catani constatou a existência de uma base comum entre os dois diagnósticos, concluindo que o conceito psiquiátrico de transtornos somatoformes teria sua origem calcada na histeria, tal como concebida pela psicanálise. A análise crítica do percurso do DSM revelou que, após um período de prevalência, houve um distanciamento significativo da participação da psicanálise e da psicodinâmica na compreensão e definição dos transtornos somatoformes, culminando em radicalidades e efeitos. Enquanto até o DSM-II de 1968 a histeria se fazia como grande representante diagnóstica, no DSM-III de 1980, versão que se pretendeu ateórica, o termo fora completamente eliminado e substituído pela definição sintoma conversivo, por ser considerado mais preciso pelos autores do manual (APA, 1980). 154 O DSM-IV (1994), configurou-se como uma versão extremamente ampliada que apresenta 297 transtornos em 800 páginas. Nela, o nome neurose fora completamente abolido, enquanto a histeria foi diluída entre os nomes transtornos somatoformes, transtornos factícios e transtorno de personalidade histriônica. O DSM-V (2013), por sua vez, expôs uma alteração da nomenclatura de transtornos somatoformes para sintomas somáticos e transtornos relacionados, com o argumento de que a antiga terminologia se mostrava confusa pela não separação mente e corpo.

O acompanhamento das reformulações dos manuais, por conseguinte, evidenciou uma proliferação da gama de nomes/diagnósticos oferecidos para a descrição dos sofrimentos apresentados pelos pacientes. Sobre essa tendência, a autora problematizou: As classificações, ao longo da história dos acometimentos mentais, permitem uma ordenação e um melhor entendimento para tratar os pacientes. Em qualquer lugar do mundo é possível, a partir do código do diagnóstico, estabelecer um tratamento. Em contrapartida, os esforços pela objetivação e quantificação do mal-estar produzem um número cada vez maior de fragmentações, e o resultado destes empenhos podem ser observados nas edições da CID e do DSM e em outros textos da literatura especializada. A lógica que preside as classificações leva os especialistas a criarem novas categorias quando se considera que as anteriores não atendem às necessidades apresentadas pelos pacientes. (p.18) Posteriormente, indagou: “Assim, diante das constatações que emergiram na pesquisa, é quase como se fosse permitido perguntar: se a medicina desconhece a causa, o problema está na saúde mental do doente?” (p. 185).

Interessante notar que, mesmo em tempos de fragmentações diagnósticas, Catani manteve viva sua postura analítica, estabelecendo um belo e detalhado percurso etimológico que poderia ser comparado ao empreendido por Freud no Unheimlich de 1919, em seu caminho pelas filigranas e contradições existentes numa zona de complexidade discursiva. A autora perscrutou os manuais pari passu, questionando cada palavra usada para nomear os transtornos somatoformes e seu suposto distanciamento da histeria. Deparou-se com um panorama formado por lacunas, escolhas por certas nomenclaturas, permanências, alterações, desaparecimentos de termos com e sem explicações, angariando argumentos fundamentados na história para abrir uma discussão pertinente.

No capítulo seis, encontra-se uma importante reflexão sobre a nomeação, em sua função e em seus paradoxos nessa busca pela classificação do sofrimento na CID e no DSM. A nomeação do sofrimento é entendida como fundamental, gesto apaziguador da angústia diante de um evento de que pouco se sabe, motor da ciência diante dos fenômenos a serem pesquisados. No entanto, segundo Catani, a busca desenfreada por definição, por nomes que chegam desacompanhados de sua história e de qualquer sentido, tão sabidos e decorados pelos profissionais, acaba por produzir efeitos iatrogênicos ao tratamento. Nessa discussão, reconhece-se a utilidade do DSM como instrumento eficaz no campo científico, empregado por diversos profissionais e em áreas distintas para identificar o sofrimento mental, mas problematiza-se seu uso. A autora parte da premissa de que “para pensar é preciso classificar e para classificar é preciso pensar” (p 152) e em sua pesquisa constata que diante da urgência em nomear o sofrimento psíquico, essa lógica não se sustenta. O pensar e o classificar se desvinculam, profissionais se mostram cada vez menos dispostos a escutar os pacientes, resultando no empobrecimento da escuta clínica. Nesse cenário, ocorre que muitos pacientes não melhoram diante dos diversos tratamentos ofertados; pelo contrário, produzem novas manifestações e maneiras de expressarem seus conflitos.

O reconhecimento do classificar e do pensar como ações indissociáveis na prática clínica e nesta pesquisa foi justamente o que permitiu à autora colocar em xeque o efetivo desaparecimento da histeria dos manuais. Ela constatou que, mesmo após o rechaço dessa terminologia desde o DSM-III (1980), o cerne da definição freudiana de histeria, a saber, o que não pode ser verbalizado por meio das palavras é investido no corpo, ainda vigora e constitui a categoria de transtornos somatoformes. Ao pensar a história das classificações, concluiu que histeria e transtornos somatoformes, por mais que recebam novas nomenclaturas pelos manuais, ainda são categorias muito mais próximas do que os profissionais geralmente percebem e admitem. Por outro lado, identificou uma diferença fundamental entre ambos os diagnósticos, considerando que os pacientes com transtornos somatoformes guardam semelhanças com a histeria na prática, em suas maneiras de operar; apresentam algum tipo de funcionamento psíquico similar ao desse quadro, mas, parecem padecer de uma constituição subjetiva menos elaborada. Entende-se que nessa condição crítica e, somente nessa condição, seria possível para a autora traçar paralelos profícuos entre histeria e transtornos somatoformes e concluir que:

“(…) a histeria e os transtornos somatoformes são sim iguais, mas também são, sim, diferentes, apoiando-se no dito de que ambos consistiriam em “…uma doença que não o é embora seja” (p.190).

A proposta de inclinar-se sobre os casos de transtornos somatoformes em seu trabalho no Ambulatório de Transtornos Somatoformes (Soma) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP) constitui mais um aspecto importante desta pesquisa, revelador da habilidade de Catani em transitar pelas fronteiras. No contexto de corrida por classificações, dissociação entre o pensar e o classificar, nomeações desconectadas de historicidade, surgem os transtornos somatoformes, rebento rebelde dessa trama discursiva, diagnóstico que introduz paradoxos. A começar pela sua configuração, um compilado de transtornos – transtorno de somatização, transtorno somatoforme indiferenciado, transtorno conversivo, transtorno doloroso, transtorno disfórmico corporal e transtorno somatoforme sem outra especificação (CID 1992) – em um mapa de tantas nomenclaturas que, até então, não deram aos profissionais a condição de estabelecer alguma bússola para a indicação de um tratamento preciso aos seus pacientes.

No capítulo cinco, Catani aponta para algumas divergências na definição do conceito de transtornos somatoformes, inclusive entre a CID e o DSM, e pontua que, do ponto de vista histórico, muitos diagnósticos, incoerentes e sobrepostos foram empregados para identificar e diferenciar os transtornos somatoformes. Depois, os transtornos somatoformes pertencem a uma classificação diagnóstica que, ainda que composta por uma lista de critérios para sua confirmação, tem como ponto central a exclusão de outros quadros psiquiátricos ou médicos, tal como mencionado até o DSM-IV-R. A afirmação do diagnóstico se dá pela exclusão e revela um público errante e desviante, que traz contradições como a de não pertencer a um quadro para encontrar um lugar de pertença ou de não ter nome definido para ser nomeado. O livro mostra imprecisões de sujeitos que perambulam pelas diferentes especialidades médicas em busca de sentidos aos fenômenos de seus corpos e parecem endereçar, no mínimo, um duplo recado provocativo a quem ouve. Às ciências ávidas por nomenclaturas, cada vez mais empenhadas em controlar e quantificar o sofrimento, eis a rebeldia de quem se recusa ao encaixe nessa política. Aos profissionais que os recebem no cotidiano do ambulatório, está lançado o desafio da escuta e da sustentação do próprio não saber diante do que se revela, insistentemente, aquém das palavras.

Conclui-se que, mais do que tratar da complexidade do sofrimento humano, esse livro transmite a paixão pelo desconhecido, definida por Fédida como ingrediente fundamental da prática psicanalítica. Mas, a paixão, tal como o sofrimento, deve ser reconhecida em sua universalidade, transcendente ao terreno da psicanálise e a qualquer campo do saber, tornando essa obra muito bem-vinda a psicanalistas, psiquiatras, enfim, a todos os profissionais que mantêm vivo o interesse pelo enigma dos sofrimentos humanos e demonstram, sobretudo, aptidão por caminhar pelos confins da subjetividade.

Referências

Fédida, P. (1988) Clínica psicanalítica – Estudos. São Paulo: Ed. Escuta.

Foucault. M. (1996). A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola.

Martins, J. S de Souza. (2014). Fronteira: a degradação do outro nos confins

O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

por Ester Alves

Este artigo foi publicado no facebook da Rede de Atendimento Psicanalítico em 2013

Revi um filme chamado “Brilho eterno de uma mente sem lembrança” – Eternal sunshine of the spotless mind, no original. Trata-se da história de um casal diante da separação e do amor, não necessariamente nesta ordem, ou, mais precisamente, na familiar desordem destas experiências que nunca perdem seu caráter de estranheza.

O filme tem muitas coisas interessantes, tais como: 1) a ideia de que experiências não são extirpáveis da mente humana, o que leva a concluir que, assim como na natureza, no psiquismo nada se cria, nada se destrói e tudo se transforma; 2) tal transformação demanda trabalho psíquico; 3) o tecido da nossa história contém o outro em sua trama, o que não implica que este outro possa realizar o trabalho psíquico que compete a cada um de nós; 4) a história de uma pessoa, com seus altos e baixos, com seus inevitáveis altos e baixos, é o que lhe dá lastro, e ver-se sem ela é ficar sem referências, como num diário com páginas arrancadas.

Em psicanálise, a ideia de brilho associa-se à do objeto que envolve atração, que se torna desejável justamente porque brilha e, como tal, constitui-se em promessa de ser ou de trazer consigo aquilo que falta a alguém. Neste sentido, haveria um objeto (uma pessoa, por exemplo) que, com sua presença, traria completude à outrem – estamos próximos da concepção de “alma gêmea”. No entanto, as histórias assistidas (ou vividas) nos mostram que esse suposto encontro nirvânico não passa de combustível que nos coloca num incessante movimento de busca. Esperamos pela completude, mas não a encontramos, e justamente por isso, nos movimentamos.

A personagem do filme, diante da evidência da incompletude e da frustração, oferece o que me parece ser uma dica já sabida, insistentemente esquecida, que convém lembrar: no final do filme, ele nos diz “ok”.

Relatos Selvagens – A lógica das totalidades e sua relação com a violência

por Ester Alves

Este artigo aponta para o recrudescimento de processos constitutivos, especialmente os constituintes do narcisismo e do eu, como um dos elementos da violência.

Artigo publicado no facebook da Rede de Atendimento Psicanalítico no dia 30.05.2016

No texto “A Negação”, Freud aborda duas questões, basicamente: os processos de constituição psíquica e a negação do retorno do recalcado, por meio da qual, apesar de consciente, uma representação pode continuar sendo tomada como exterior ao eu. As duas questões trabalhadas neste texto apontam para o fato de que as impressões e representações que produzem prazer tendem a ser tomadas como próprias, e, ao longo do tempo, como pertencentes ao eu. As impressões e representações desprazerosas, por sua vez, são negadas e projetadas, de modo que, com o surgimento do eu, são tomadas como não pertencente a este, como estranhas e externas.

Noutro texto, chamado Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud faz uma série de apontamentos, dos quais vou destacar três. Um deles é que o líder é uma figura idealizada que suporta uma projeção do narcisismo perdido, da “’sua majestade’, o bebê”, que cada um de nós fora, outrora; outro apontamento é que qualquer elemento que não coincida com esta imagem narcísica é tomado como estranho e, em última instância, como rival; por último, destaca que o individual e o coletivo coincidem, logo, o narcisismo e seus mecanismos de preservação dizem respeito ao indivíduo e também às massas.

Ambos os textos, apontam para o que quero destacar: 1) que a constituição psíquica se dá num processo de separação entre “o joio e o trigo”, e que esta “separação”, na verdade, diz respeito à formação de totalidades (“bom” e “mau”, por exemplo); 2) que, sob a forma de narcisismo, essa separação “totalizadora” persiste, sendo que o que é diferente e indesejado, dado o desprazer que produz, tanto no nível individual quanto coletivo, tem como horizonte o expurgo, e um expurgo comum é o outro, nosso semelhante.

Tem um filme, que está em cartaz faz um tempo, que considero exemplar para evocar a questão da totalidade nas relações e seus efeitos violentos: chama-se “Relatos Selvagens”. O título provoca ao juntar elementos excludentes, dado que a linguagem retirou o homem de seu “estado de natureza”. Mas, penso, podemos tomar esta provocação como um apontamento da violência como manifestação de sérias dificuldades nos processos da linguagem, os quais, podemos dizer, são processos representacionais e associativos, por meio dos quais se constitui um lugar próprio no laço social.

Também quero destacar um recorte possível das situações de violência abordadas no filme: elas são disparadas na relação com um Outro que aparece como totalizante, deslegitimando ou impossibilitando a alguém uma inscrição que possua valor num certo laço. Este Outro é encarnado por figuras diversas, como os pais, o governante abusador, o Estado burocrático, o entorno social cínico e hipócrita, enfim, figuras presentes na vida de cada um de nós.

Mas, alguns relatos, além de destacar a violência e seus detonadores, deixam entrever sua transposição a uma outra coisa: um novo enlaçamento discursivo, uma recriação do laço, possibilidade para um indivíduo, ou para um grupo. Para quem estiver interessado por estes temas, indico a entrevista com Jacques Rancière, chamada “Como sair do ódio”, que está publicado na Boitempo.

O racismo nosso de cada dia e a incidência da recusa no laço social

por Tânia Corghi Veríssimo

Através do presente artigo, pretende-se sustentar a hipótese da incidência do mecanismo da recusa no laço social, situando-o frente ao racismo na cultura brasileira. Destacam-se como eixos principais deste texto: a reflexão sobre o caráter do discurso tecido por alguns brasileiros atravessados pelo fenômeno do racismo em sua história, o tema da constituição do narcisismo do negro no laço social, além da questão do racismo enquanto discurso dirigido ao estrangeiro e revelador do desmentido da realidade.

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós,

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País…[1]

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis.

(Medeiros e Albuquerque 1867-1934. Trecho do Hino da República – 1890).

No dia 12/09/14 o jornal O Estado de São Paulo publicou um artigo em que explicitou a posição da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito do tema do racismo contra o negro no Brasil[2]. Partindo de um relatório elaborado durante visita realizada no país em dezembro de 2013, momento no qual o debate em torno deste tema tornou-se acalorado aos ouvidos da sociedade, a matéria situou o fenômeno do racismo como algo estrutural e institucionalizado em nossa cultura. Algo tão institucionalizado que permeia todas as áreas da vida dos brasileiros. Dentre as questões sublinhadas pela Organização, merece destaque a referência ao chamado “mito da democracia racial” [3], apontado como um dos grandes obstáculos para a transformação/resolução da questão do racismo, uma vez que engendra a negação substancial de sua existência em nosso país.

Ainda no mês de setembro deste mesmo ano, o ex-jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, Pelé, conhecido mundialmente como Rei Pelé, em entrevista[4], teceu comentários sobre o episódio de racismo envolvendo o jogador Mário Lúcio Duarte da Costa, Aranha, goleiro que ao ser chamado de macaco pela torcida no estádio de futebol, indignado, interrompeu imediatamente a partida para reclamar sobre o ataque sofrido. Pelé se pronunciou:

“O Aranha se precipitou em querer brigar com a torcida. Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. O torcedor grita mesmo. Temos que coibir o racismo. Mas não é num lugar publico que você vai coibir. O Santos tinha Dorval, Coutinho, Pelé… todos negros. Éramos xingados de tudo quanto é nome. Não houve brigas porque não dávamos atenção. Quanto mais se falar, mais vai ter racismo” (sic).

A fala de Pelé abre interrogações. Primeiramente, ele afirma que a coibição do racismo não se dará em lugar público, fazendo-nos perguntar, afinal, onde seria o lugar para coibi-lo? Depois, o ex-jogador encerra sua fala em defesa do silenciamento, da não circulação de palavras, abrindo mais uma pergunta: quais serão os destinos dados para aquilo que marca o corpo do sujeito e não pode ser nomeado como violência?

Diante destas matérias, ficam questões a serem pensadas pela psicanálise. Pretendo levantar algumas delas, elencando como eixos principais deste texto, a reflexão sobre o caráter da linguagem e do discurso tecido por alguns brasileiros atravessados pelo fenômeno do racismo em sua história, o tema da constituição do narcisismo do negro no laço social e a questão do racismo enquanto discurso dirigido ao estrangeiro, na relação com o desmentido da realidade. Através destes eixos, buscarei sustentar a hipótese da incidência do mecanismo da recusa frente ao racismo em nossa cultura.

Com efeito, também destaco uma questão que pretendo desenvolver neste artigo: uma vez que a recusa refere-se a o que não foi possível de se constituir como questão para um psiquismo cindido – ironicamente existente em regime de apartheid psíquico – a algo não nomeado/reconhecido pelo sujeito, ou seja, abolido simbolicamente; poderíamos pensar sobre o fenômeno do racismo, assunto tão em voga, tão debatido e instituído no discurso, através da chave da recusa?

Armadilhas da linguagem no cotidiano: a recusa e o narcisismo brasileiro

Rosa[5], em seu livro o “Não-Dito na psicanálise com crianças e adolescentes” teceu considerações sobre a impossibilidade de qualquer enunciado ser completo e exaustivo em sua expressão subjetiva. Segundo a autora, há sempre “um a mais” não- dito no enunciado presente e atuante para os sujeitos em suas relações, sendo o Não-Dito uma manifestação inerente à fala, denunciadora das diferentes facetas da linguagem, que traz à tona a relação com o inconsciente e a articulação desejo-castração no momento em que o sujeito se vê envolto pela complexa tarefa de expressar-se.

A linguagem, neste sentido, deve ser pensada como aquela que veicula as palavras, mas que por si só traz a marca da incompletude, das faltas e das insuficiências, fazendo o sujeito falante ter que se defrontar com os limites da expressão e a construção de manobras na tentativa de dar conta da tessitura de uma narrativa perante a realidade. Poderíamos denomina-las manobras da expressão, estas que invariavelmente revelam caráter capcioso e constituinte para nós, sujeitos de linguagem. Chamam a atenção algumas das injunções construídas que retratam a posição do negro na cultura brasileira. O que significa dizer, por exemplo, “Fulano é negro, mas é honesto”? Ou então, “Apesar da cor, ele trabalha bem”? Injunções tão arraigadas e naturalizadas no discurso social que por diversas vezes não são notadas. Interessante observar que mesmo quando, supostamente, tanto se falou e se desenvolveu em termos de racismo no país e no mundo, estas frases adversativas podem passar despercebidas ainda hoje no dia-a-dia. Do que se trata este despercebido[6]? Teria relação com a recusa?

Caberia argumentar que a relação “Fulano é…mas” não se reporta somente ao negro. Cotidianamente também escutamos “É pobre, mas é limpinho”, “É homossexual, mas é bacana”, “É gorda, mas é bonita”. Trata-se de injunções que localizam valores narcísicos em um campo de pertinência, ou seja, ideais de eu bem estabelecidos no psiquismo, relativos a um determinado contexto sócio histórico, sujeitos a variações no tempo e no espaço e que sugerem o tal “despercebido” no terreno do recalque e da negação e não no da recusa enquanto mecanismo em jogo.

Em seu artigo de 1925 – “A Negação”[7], Freud fornece elementos que embasam esta hipótese, postulando a negação como um mecanismo que se dá no nível da linguagem e que não impede a operação do recalque. Na negação, o recalque continua operando e o que vem à tona na fala do sujeito é a representação recalcada que só será manifesta na condição de um “não” em sua frase formulada. Através da formulação “Fulano é…,mas…” é possível, portanto, tomar contato com a vigência do recalque. O sujeito que o expressa aceita intelectualmente a veiculação do conteúdo recalcado, passado por este – e por quem o escuta – sem abrir conflitos, sem cessar o recalque.

À luz das teorias sexuais infantis exploradas em “Algumas Consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos”[8], podemos pensar que ao se estabelecer as adversativas “Fulano é…mas”, a fantasia do sujeito já se localiza no espectro da polaridade fálico-castrado, numa realidade psíquica que já admitiu a ausência do pênis na menina e a presença no menino, mas que sem poder significá-la pela via da diferença, estabelece o mais valor versus menos valor. Importante considerar que, diferentemente, do que não ocorre na recusa, há neste caso a atribuição de juízo de valor e existência da realidade pelo Eu, localizando, portanto, a existência do recalque na relação do brasileiro com o racismo.

Porém, identificar o recalque como um mecanismo presente no trato do racismo em nossa cultura, não implica em descartar a hipótese de que a recusa possa figurar no laço social diante desta pauta. Sabemos que a recusa é democrática do ponto de vista psíquico e econômico, podendo ser encontrada nas psicoses, perversões e neuroses a partir de manifestações avassaladoras e impossibilitadoras para os sujeitos. E por que não a recusa aqui?

Eis outra manifestação subjetiva posta em nossa vida social, causadora de estranhamento e reflexão: na cidade de São Paulo há um restaurante bastante conhecido, chamado Senzala. Localizado em um bairro nobre da cidade, existe desde a década de 70 e está muito bem consolidado como ambiente agradável e bem avaliado pela população de um modo geral. Em seu portal[9] é descrito como “um ambiente que na década de 70 tornou-se ‘a sensação da juventude’, um lugar gostoso de estar, ideal para dias quentes, dada sua amplitude, infra-estrutura e grande terraço”. Como contraponto, a enciclopédia virtual Wikipedia[10], traz a seguinte definição histórica de senzala:

“A senzala era uma espécie de habitação ou alojamento dos escravos brasileiros. Elas existiram durante toda a fase de escravidão (entre os séculos XVI e XIX) e eram construídas dentro da unidade de produção (engenho, mina de ouro e fazenda de café). As senzalas eram galpões de porte médio ou grande em que os escravos passavam a noite, tinham grandes janelas com grandes grades e seus moradores só saiam de lá para trabalhar e apanhar. Muitas vezes, os escravos eram acorrentados dentro das senzalas para evitar as fugas. Costumavam ser rústicas, abafadas (possuíam poucas janelas) e desconfortáveis. Eram construções muito simples feitas geralmente de madeira e barro e não possuíam divisórias. Os escravos dormiam no chão duro de terra batida ou sobre palha. Costuma haver na frente das senzalas um pelourinho (tronco usado para amarrar o escravo para a aplicação de castigos físicos).”

Enfim, como dizer que um brasileiro não sabe o que é uma senzala ou algo de sua conotação na história de um país que viveu por, pelo menos, três séculos em regime escravocrata? O que representa para um país que traz a escravidão em sua bagagem histórica referendar um restaurante com o nome de Senzala? Poderíamos pensar que quando o assunto reporta este período violento e traumático de sua história o “brasileiro sabe, mas mesmo assim”, expressão cunhada por Octave Mannoni a respeito do mecanismo da recusa?

Mannoni [11] debruçou-se sobre o poder das crenças na constituição do fetichismo e da recusa, referindo que a criança, ao tomar contato com a realidade da anatomia feminina, desaprova aquilo que vê (não vê) ou repudia a falta encontrada na mãe a fim de conservar sua crença na existência do falo nesta. Impossível deparar-se com uma mãe castrada e passar incólume pela experiência. Segundo o autor, a criança, nesta circunstância, após atravessar a experiência não mais conserva intacta a crença na completude materna; sem dúvida ela conserva esta imagem, mas igualmente a abandona, tendo agora uma atitude dividida em face dessa crença. Ela agora “sabe, mas mesmo assim”.

Sabe-se que a crença na presença do falo na mãe é a primeira crença a que se renuncia e o modelo de todas as outras renúncias para o sujeito. A crença, muito poderosa e difícil de abrir mão, pode se manter apesar do desmentido da realidade e constituir-se num campo transcendente e flutuante de verdade e mentira onde ninguém acredita nela e, ao mesmo tempo, todo mundo acredita. Algo que aparentemente ninguém assume. Mas acredita-se. “Não há nada mais banal que uma observação como esta – e, no entanto, se nela nos detivermos, nada mais desconcertante”[12].

Para Ribeiro[13], pode-se dizer que o Brasil é um país traumatizado que jamais ajustou contas com suas dores terríveis, obscenas, da colonização e da escravatura [14]. Ele aponta a falta de elaboração da violência escravagista no país ainda como o mais grave, já que redunda na repetição mortífera e obsessiva dos traumas de desigualdade e iniquidade a que ficamos submetidos em nossa história.

O Restaurante Senzala não abre conflitiva ou incômodo. Nada desconcertante. O nome Senzala alude a um local de opressão, violência e massacre de seres humanos que marca a história do Brasil. No entanto, ter seu nome referendado a um restaurante não causa vergonha ou qualquer escândalo desta ordem. E se o nome fosse Restaurante Auschwitz?[15] Que absurdo seria! Tanto Auschwitz quanto a Senzala representam locais da catástrofe humana aos olhos do mundo, porém a Senzala foi integrada à cultura brasileira como ambiente que, embora sabido como símbolo da desumanização do negro, permanece mesmo assim aceita e respaldada pelo então já mencionado mito da democracia racial.

Dadas estas considerações, parto da hipótese de que quando o assunto é a relação do brasileiro com a própria história e o traumático advindo desta, há que se considerar a operação da recusa como um dos mecanismos figurantes no laço social. Se Penot [16] ao tratar da heterogeneidade fundamental dos suportes narcísicos do ser humano sublinhou dois registros diferentes – a saber, a prematuridade do corpo ao nascer e a antecedência do discurso parental sobre o corpo do sujeito – não deixou de enfatizar a premência de um discurso que o recém-chegado recebe de seu primeiro entorno como determinante na designação dos registros que posteriormente construirá sobre si mesmo no mundo, por que não pensar sobre o discurso da Pátria-Mãe como tão determinante na constituição de um lugar narcísico para o brasileiro?

Palavras da Pátria-Mãe que desde tempos de outrora designam o brasileiro como sujeito cordial, amigável, extrovertido e criativo. Aquele povo de fácil trato e grande abertura e disponibilidade para aceitar o diferente. Povo miscigenado! Povo feliz! Como seria abrir mão desta crença? Como seria para o brasileiro, do ponto de vista narcísico, reconhecer que há contas a serem ajustadas? Como seria sua sustentação narcísica após a admissão de registros traumáticos da história, tais como o massacre do negro e o racismo tão presente? Quando o assunto é a discriminação contra o negro, o brasileiro recusa a própria realidade racista na tentativa de evitar um grande abalo narcísico.

O negro, a constituição do narcisismo, a recusa

Costa[17] é um interlocutor privilegiado naquilo que tange a problemática da constituição narcísica do sujeito negro, afinal, o autor se deteve sobre as questões metapsicológicas a serem atravessadas por este na árdua empreitada de fazer-se sujeito no mundo. Através de uma rica reflexão, estabeleceu alguns eixos temáticos de abordagem do narcisismo do negro em suas peculiaridades, sendo estes a relação deste sujeito com o próprio corpo e as vicissitudes existentes na construção do exercício do pensamento. Além disso, ao longo de sua produção, cabe colocar que, embora o autor não mencione a recusa propriamente dita como mecanismo a ser encontrado neste processo, alude a dois fenômenos que sugerem a sua presença na formação identitária do sujeito negro: a clivagem psíquica e o fetichismo.

Ao longo de um capítulo no qual buscou aprofundar a reflexão sobre o negro em sua relação com a cultura racista e com o próprio corpo, conta-nos de um psiquismo selado pela perseguição, repúdio, ódio, revolta, amargura, vigilância e controle deste corpo tão distante do ideal de brancura imposto a ele como desejável. Neste sentido, habitar um corpo negro implicaria em atravessar uma gama de afetos intensos e a violência causada por uma dupla injunção: a de encarnar o corpo e os ideais de ego do sujeito branco -ideais incompatíveis com a sua estrutura física- e a de recusar, negar e anular a presença do corpo negro em sua realidade concreta.

Se lembrarmos com Freud que “O Eu é sobretudo corporal, não apenas uma entidade superficial, mas ele mesmo a projeção da superfície”[18], constatamos que a dupla violência sofrida pelo corpo negro o exclui de uma suposta norma psicossomática e o coloca diante de uma dor narcísica tal que o exercício do pensamento, representativo por definição, neste caso, sofre uma subversão: é acossado por sofrimento, censura, auto-restrição, sendo forçado a não representar a identidade real do sujeito, de modo a negar e afirmar a presença da negritude. O pensamento do negro, atravessado pelo racismo, vivencia a condição de uma abolição simbólica.

Ao deparar-se com a complexidade da questão, Costa é categórico na compreensão de que tais entraves não poderiam ser explicados exclusivamente pela chave do recalque. Ele menciona tanto fenômenos como a foraclusão e a alucinação negativa, ambos reveladores de um pensamento privado do confronto com outro pensamento, perdido, portanto, numa espécie de solipsismo e impermeabilização.

Ao dizer que “a identidade do negro, temida e odiada, emerge como um corpo estranho que, o pensamento surpreendido em suas lacunas, não sabe qualificar”, ele, primeiramente, menciona a recusa, para depois mencionar a alucinação negativa e fundamentar seu raciocínio:“(…) após ter sido recusada, melhor dito, alucinada negativamente, volta à tona. Não com a inquietante estranheza do retorno do recalcado, mas com a tonalidade afetiva e representacional própria do fato alucinatório”[19]. Há aqui uma compreensão metapsicológica que caminha na linha da alucinação negativa, e não da recusa, para pensar o narcisismo do negro e o rompimento dos elos com a realidade. No entanto, identificamos no autor a existência de expressões ilustrativas da recusa, ao sugerir uma perda de diálogo entre duas partes do psiquismo, dada a cisão do Eu. Eis algumas delas: “pensamento opera um compromisso: afirma e nega a presença da negritude”, “dúvida deixa de existir para o sujeito negro” [20].

Sustento a hipótese da recusa diante da constituição narcísica do negro quando penso que este é um processo transgeracional vivido à custa de ataques à filiação do sujeito negro e de sua construção identitária, culminando na impossibilidade de pensar sobre a própria identidade. Na tentativa de compreender esta impossibilidade do negro, curiosamente, tanto Costa quanto Penot utilizam recursos imagéticos semelhantes para ilustrar a relação – ou não relação – entre instâncias ideais, mais precisamente entre o Eu e Ideal de Eu. Enquanto o primeiro autor faz a imagem de um fosso que o sujeito negro tenta transpor à custa de uma impossibilidade de equilíbrio psíquico, o segundo fala sobre a perturbação de referências das quais dependem a sustentação do narcisismo, atentando para uma zona psíquica, ou seja, um lugar onde a abolição simbólica é mantida pela recusa e irá se manifestar como local de predileção da compulsão à repetição/pulsão de morte.

Pensemos agora sobre o fetichismo e sua presença na constituição narcísica do negro. O que o negro, sujeito que vive tantos entraves significativos no exercício do pensamento, faz com aquilo que sabe?

Segundo Costa[21], o negro sabe que o branco criou a inquisição, o colonialismo, o imperialismo, o anti-semitismo, o nazismo, o stalinismo e tantas outras formas de opressão ao longo da história. Também sabe que o branco criou a escravidão. O negro sabe tudo isso e, talvez, muito mais. Porém, a brancura transcende o branco. A brancura faz-se fetiche, ideal cultural imaculado, enquanto o negro, nesse sentido, é este que ainda não consegue transpor o registro do “Eu sei, mas mesmo assim” para uma formulação do tipo “Eu sei, é isso mesmo”, quando se trata da admissão da realidade de sua própria identidade. Diante da relação com a brancura fetiche, algo desta realidade não poderá ganhar significado e seguirá carente de simbolização nesta problemática narcísica.

Freud parte do Fetichismo de 1927[22] para pensar a respeito da função do objeto fetiche para o psiquismo. O fetiche surge como um tamponador, substituto do falo, representante da tentativa de manutenção da crença em uma mãe não castrada. Este objeto, segundo Freud, será superinvestido, sofrerá um aumento extraordinário, monumental, proporcional ao horror do sujeito à castração. Diante da atitude dividida do sujeito frente à castração, o fetichista viverá uma experiência de indício de triunfo sobre a ameaça de castração e uma proteção contra ela ao mesmo tempo. Penot, nesta mesma linha, chega a nomear o fetiche como uma neo-proteção, ou seja, algo que poderia assegurar a alguns sujeitos uma suficiente proteção narcísica que permitiria evitar-lhes o agravamento das consequências da clivagem de seu ego na relação com a realidade. O fetiche, nesse sentido, por mais paradoxal que pareça, opera uma função protetiva de um colapso psíquico total. Afinal, sem ele, o psiquismo clivado poderia chegar a uma condição de insuportabilidade tal que ameaçaria sua integridade, desembocando, talvez, em uma construção delirante.

Não obstante, neste mesmo texto, Freud nos lembrará de que a relação do sujeito com seu objeto fetiche não viria marcada apenas pela afeição. Segundo ele, a afeição e hostilidade correm paralelas com a recusa e o reconhecimento da castração, e estão mescladas em proporções desiguais, em casos diferentes, de maneira a que uma e outra seja mais facilmente identificável. Com isso, penso sobre a relação que o negro pode vir a estabelecer com a brancura fetiche tomando-a como referencial identitário, ideal impossível que se tornará depositário de muita idealização e ódio.

Racismo: o discurso ao estrangeiro e a vivência do desmentido

Koltai [23] aponta que é preciso um discurso social para se falar no racismo propriamente dito. Segundo a psicanalista, o racismo explícito precisa nomear esse estrangeiro que você tem que temer, não se tratando somente de uma simples questão de agressividade e ódio, mas de linguagem. A linguagem, neste sentido, é pensada a partir da passagem da xenofobia ordinária para o racismo. Enquanto a xenofobia ordinária refere-se a um momento mais precoce da constituição, em que todos nós, humanos, manifestamos reações de recuo perante um rosto desconhecido – o que foi chamado de angústia do oitavo mês – de onde advirá, com o processo de socialização, um nós que se oporá aos outros, instalando um campo indiscriminado de angústia nesta relação[24]; o racismo, por sua vez, diz respeito a um momento posterior, quando a angústia passa a se configurar como medo, adquirindo nome, direção e argumento. Trata-se de uma situação na qual o sujeito, respaldado por um discurso, faz o apontamento do outro como alvo do não reconhecimento e de um ódio de si – constituinte – que carrega consigo e será vetorizado contra personagens da cultura. Nesta relação, ocorre a expulsão do mau e a introjeção do bom na conservação do Eu, remetendo-nos a um momento inicial da constituição psíquica no qual, para o Eu, o que é mau e o que é forasteiro, o que se acha fora, são idênticos inicialmente[25].

O racismo, desde esta articulação com o estrangeiro, deve ser compreendido tanto pela perspectiva da insuportabilidade que cada sujeito encontra ao ter que se haver com a própria estrangeiridade inerente, quanto pela perspectiva histórica, que o denuncia como criação moderna, tributo do discurso da ciência e do capitalismo, produtores da noção de exploração do outro em sua força de trabalho agregado à concepção de inferioridade de uma raça em relação à outra. Entende-se que estes aspectos estarão presentes na constituição do sujeito e do laço social, de modo que a relação com o estrangeiro nunca se dará pela via da indiferença.

Lebrun[26], ao referir-se aos discursos formadores da subjetividade, debruçou-se sobre o fenômeno do nazismo enquanto sistema discursivo totalitário também muito bem respaldado por uma ideologia. Filho de um discurso, rebento de uma retórica a serviço da saúde humana, o nazismo justificou-se na biologia racial, pela legitimidade científica, valendo-se da medicina como racionalidade da ciência que estaria convocada para conjurar a doença de um sistema. Neste sentido, não mais um sujeito, mas um sistema justificaria os mecanismos de desumanização de judeus e outras minorias sem dificuldade, de um modo que a câmara de gás, nesta lógica, não passaria de um procedimento médico para vidas que não valiam a pena serem vividas, o judaísmo seria descrito como uma tuberculose de raças dos povos a ser eliminada, e a famosa saudação Heil Hitler poderia ser traduzida por “Que Hitler esteja em boa saúde”.

Ao considerarmos a sustentação da desumanização por um discurso ideológico, transcendemos a relação binária e reducionista de um carrasco com sua vítima e passamos a olhar para o sistema regente onde ambos se constituem. A questão da violência ao outro se complexifica, na medida em que a não consideração deste outro como ser pertencente à raça humana, não somente pelo seu carrasco, mas por todo o sistema social ao qual pertence, equivale a desinscrever qualquer terceiridade, ou seja, qualquer possibilidade de reconhecimento da humanidade e da violência contra ela que ali ocorre. Diante de situações de extrema violência, a metáfora fundadora do humano estaria recusada, nos diz Lebrun[27].

O reconhecimento fundamental de uma violência contra a humanidade, no caso do nazismo, veio a acontecer, felizmente. Todavia, cabe pontuar que a magnitude de episódios aniquiladores da identidade humana, com potencial de assujeitamento e deslegitimação de raças e povos, tal como ocorreram ao longo da vigência do regime nazista, revelaram-se tão excessivas, que ultrapassaram as possibilidades de entendimento e significação humana. As palavras, meio de simbolização propriamente dito, se revelaram faltantes em um primeiro momento e, somente a posteriori, o nazismo veio ganhar o nome, a definição e o estatuto de crime contra a humanidade[28]. O reconhecimento da experiência traumática não se dá imediatamente.

O corpo alvejado pelo racismo, neste sentido, é este que viverá uma experiência traumática de atentado à sua própria integridade narcísica, além da destituição de um lugar de sujeito que lhe caberia como direito. A vivência do traumático coloca em pauta a falta de condições de representação de um excesso a que o sujeito foi submetido, introduz a falta de reconhecimento enquanto elemento que dará ao trauma um caráter desestruturante para quem o vive, além do apontamento da recusa como possível caminho defensivo para o Eu. Uchitel[29] tratou da questão da falta de reconhecimento do evento traumático e suas consequências para o sujeito, evocando, para isso, uma passagem de Ferenczi:

“A memória do acontecimento não é o traumático. O que resultará traumático será a experiência que põe em dúvida o sistema –até então confiável – de relações, representações e valores, que ataca o self e suas construções, pelo qual nem o si mesmo nem os outros serão mais os mesmos”.

Diante do desmentido, o trauma não permite que a experiência se inscreva simbolicamente. A percepção, quando traumática, não se inscreve, não se transcreve, havendo de imediato uma abolição simbólica que a coloca no circuito repetitivo da pulsão de morte.

Para pensar sobre a presença do racismo na cultura brasileira faz-se necessário olhá-la desde o paradoxo do desmentido: ao mesmo tempo em que percebido como algo institucionalizado – vide relatório da ONU – ele permanece em algum grau como não reconhecido, considerado tema a não ser abordado ou inexistente. Se em 1890, dois anos após a abolição da escravidão no Brasil, fez-se um hino que dizia “nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país”, não esqueçamos que em 2014, dois séculos depois, após tantas transformações, criação de leis que institucionalizaram, nomearam e incriminaram a prática do racismo no país, ainda há um Rei que manda calar, reiterando que “quanto mais falar, mais vai ter racismo”.

Crença na nobreza de um país sem passado, crença no silêncio enquanto meio de lidar com a violência, crença em uma história fetiche. Acreditamos nisso? A crença, neste sentido, deve ser pensada como veículo para a recusa da realidade e para a manutenção de um saber de si. Veículo de sustentação identitária, suporte para a elevação narcísica a despeito de qualquer revelação confrontadora da realidade. “Os casos de crenças, são casos de amor. Não existem razões a favor ou contra isso”, “Qual a diferença entre acreditar e estar certo?”, ”Por que as pessoas preferem acreditar quando dispõem de meios para saber?[30].

A crença também deve ser incluída no campo da linguagem, já entendida como insuficiente e falaciosa, moduladora de furos, lapsos e parcialidades no exercício da transmissão psíquica. Afinal, o que seria passível de transmissão ou não de uma geração a outra e quais os papéis das crenças nesta levada? Trata-se de uma questão complexa. Por enquanto, situo a crença dentro de uma ambiguidade importante: tanto em seu caráter encobridor de conteúdos de magnitudes pulsionais desestabilizadores de narcisismos, em sua presença tamponadora desde um hino do século XIX – eis o brasileiro que sabe que é, mas não se acredita racista – quanto em seu caráter de aposta no sujeito e na palavra, em seu poder revelador e transformador – eis minha motivação para escrever este artigo.

Referências Bibliográficas

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Freud, S., Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos (1925). Obras Completas, volume 16. O Eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

________, A negação (1925). Obras Completas, volume 16. O Eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

________, Fetichismo (1927). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume XXI. Edição Standard Brasileira. Ed. Imago. Rio de Janeiro. 1996.

________, O Eu e o Id (1923). Obras Completas, volume 16. O Eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

________, O Inquietante (1919). Obras Completas, volume 14. História de uma Neurose Infantil (“O homem dos Lobos”), Além do Princípio do Prazer e outros textos (1917-1920). Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

Koltai, C., Da xenofobia ao racismo: mal-estar moderno. Revista Percurso n 51, p 127-150. Dezembro 2013.

Lebrun, Jean-Pierre, Um mundo sem limite – ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Ed. Companhia de Freud. Rio de Janeiro. 2004.

________, O mal-estar na subjetivação. Ed. CMC. Porto Alegre. 2010.

Mannoni, O., Eu sei, mas mesmo assim. Tradução de Mary Kleinman. Psicose: uma leitura psicanalítica. Chaim Skatz org.. São Paulo: livraria Escuta, 1991, 2ª edição.

Novaes, A.. Mutações: a invenção das crenças. Ed. SESC SP. São Paulo. 2011.

Penot, B., Figuras da Recusa: Aquém do Negativo. Ed. Artes Médicas. Porto Alegre. 1992.

Ribeiro, R.J., in Costa, J.R. Razões públicas emoções privadas. Ed. Rocco. 1999.

Rosa, M.D., Histórias que não se contam – o não-dito na psicanálise com crianças e adolescentes. Ed. Casa do Psicólogo. São Paulo. 2009.

Uchitel, M., Neurose Traumática: uma revisão crítica do conceito de trauma. Ed. Casa do Psicólogo. São Paulo. 2001.

Zygouris, R., De alhures ou de outrora ou o sorriso do xenófobo. In: O estrangeiro. Ed. Escuta. São Paulo. 1998.

Portal https://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto

Portal http://pt.wikipedia.org/wiki/Senzala

Portal www.senzala-sp.com.br/restaurante

– http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,racismo-e-estrutural-e-institucionalizado-no-brasil-diz-a-onu,1559036. Racismo é “estrutural e institucionalizado” no Brasil, diz a ONU. Setembro/2014.

– Portal http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/09/pele-sobre-participacao-brasileira-na-copa-do-mundo-um-desastre.html. Pelé faz crítica a Aranha “Quanto mais se falar mais vai ter racismo”. Setembro/2014.

– Portal http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/06/senzala-nunca-mais-intervencao-artistica-contesta-nome-de-restaurante-em-sp/

[1] Grifos meus.

[2] Jornal O Estado de São Paulo. “Racismo é ‘estrutural e institucionalizado’ no Brasil, diz a ONU”. Disponível em http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,racismo-e-estrutural-e-institucionalizado-no-brasil-diz-a-onu,1559036.

[3] Mito que denota a crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial identificada com clareza em outros países. Pesquisadores desmitificaram esta idéia ao dizer que o preconceito racial, embora não admitido como existente está intrínseco à sociedade. Assim, constataram que ainda que a maioria da população brasileira se afirme não preconceituosa, apontará que conhece alguém próximo que o é. Para conhecer mais a fundo a noção de democracia racial, recomendo a leitura da obra Casa Grande e Senzala (1933), escrita pelo historiador e sociólogo Gilberto Freyre.

[4] Globo Esporte. “Pelé faz crítica a Aranha “Quanto mais se falar mais vai ter racismo”. Disponível em http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/09/pele-sobre-participacao-brasileira-na-copa-do-mundo-um-desastre.html.

[5] M. D. Rosa, Histórias que não se contam – o não-dito na psicanálise com crianças e adolescentes. Ed. Casa do Psicólogo. São Paulo. 2009.

[6] Aqui, o substantivo “despercebido” foi usado para denotar algo que embora presente em frases formuladas pelos sujeitos como palavras, surge como ausente do ponto de vista do reconhecimento de sua existência. O “despercebido” não se refere a um conceito. Trata-se de uma palavra forjada para expressar as diferentes possibilidades de evitação da existência de um conteúdo para o psiquismo de um modo geral, antes de identificar qual seria o estatuto psíquico desta evitação.

[7] S. Freud, “A negação” (1925), in Obras Completas, vol. 16. Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

[8] S. Freud. “Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos” (1925), in Obras Completas, vol. 16. Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011.

[9] Portal www.senzala-sp.com.br/restaurante

[10]Portal http://pt.wikipedia.org/wiki/Senzala

[11] O. Mannoni. “Eu sei, mas mesmo assim”, Tradução de Mary Kleinman, in Psicose: uma leitura psicanalítica. Chaim S. Katz org.. São Paulo: Livraria Escuta, 1991, 2ª edição.

[12] O. Manonni. op cit.

[13]Ribeiro, R.J, in Costa, J.R. Razões públicas emoções privadas. Ed. Rocco. 1999.

[14]Em 2012, o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, interpelado pelas questões políticas e subjetivas postas em torno da questão do racismo em nossa sociedade, promoveu um evento com a proposta de discutir a temática, trazendo números relevantes acerca do período escravocrata no Brasil. Trata-se de um período de 320 anos de escravidão que redundou em 70 milhões de mortes de negros escravizados.

[15] Agradeço ao meu amigo, Marcos Castilha, por um dia ter levantado, despretensiosamente, esta questão que permaneceu em minha cabeça por anos, desembocando nesta problematização. Também vale a pena mencionar que uma reportagem do site http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/06/senzala-nunca-mais-intervencao-artistica-contesta-nome-de-restaurante-em-sp/, noticiou uma intervenção artística ocorrida em junho de 2015 no Restaurante Senzala. Os artistas, negros, protestaram contra o nome do estabelecimento, erguendo faixas de indignação. Em uma delas estava escrito “Restaurante Auschwitz”.

[16] B. Penot, Figuras da Recusa: Aquém do Negativo. Ed. Artes Médicas. Porto Alegre. 1992.

[17] J.F.Costa, Violência e Psicanálise. Ed. Graal. Rio de Janeiro. 2003.

[18] S. Freud. O Eu e o Id (1923). Obras Completas, volume 16. O Eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2011

[19] J.F. Costa, op. cit.

[20] J.F. Costa, op cit.

[21] J.F.Costa, op.cit.

[22]Freud, S. Fetichismo (1927). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume XXI. Edição Standard Brasileira. Ed. Imago. Rio de Janeiro. 1996.

[23] C. Koltai. “Da xenofobia ao racismo: mal-estar moderno”, Percurso n. 51, São Paulo, 2013, p 127-150.

[24] Radmila Zygouris traz elementos para pensar nesta dimensão. Ela teoriza a respeito da dimensão constituinte da angústia, postulando que lidar com o estrangeiro é lidar com resíduos não simbolizados desde a constituição do narcisismo. Segundo a autora, após o reconhecimento do Eu, permanece na criança, algo do não separado, que não foi absorvido por nenhuma representação, nem de si própria, nem do outro, o que se constituirá como matéria prima para a vivência do Umheimlich (1919), a do estrangeiro como resto de estrangeiridade no próprio sujeito.

[25] S. Freud. A negação (1925). op.cit.

[26] J- P, Lebrun. Um mundo sem limite – ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Ed. Companhia de Freud. Rio de Janeiro. 2004.

[27]J-P, Lebrun. O mal-estar na subjetivação. Ed. CMC. Porto Alegre. 2010.

[28] Segundo a enciclopédia virtual Wikipédia, apenas em 2007, entrou em vigor uma lei sancionada pela União Europeia (UE) que pune com prisão quem negar o Holocausto. Em 2010, a UE também criou a base de dados europeia EHRI (em inglês: European Holocaust Research Infrastructure) para pesquisar e unificar arquivos sobre o genocídio. A Organização das Nações Unidas (ONU) homenageia as vítimas do Holocausto desde 2005, ao tornar 27 de janeiro o Dia Internacional de Recordação do Holocausto, por ser o dia em que os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz foram libertos. Ao constatar o caráter recente destas políticas, podemos pensar tanto sobre o tempo necessário para a elaboração psíquica do horror e para a criação de iniciativas de reconhecimento do traumático existente em uma história, quanto na permanência dos efeitos de uma atrocidade por anos a fio, mobilizando na humanidade, tentativas de reparação do mal e de suas marcas ainda hoje.

[29] M, Uchitel. Neurose Traumática: uma revisão crítica do conceito de trauma. Ed. Casa do Psicólogo. São Paulo. 2001.

[30] A, Novaes “Mutações: a invenção das crenças”. Ed. SESCSP. 2011. Ao retomar os filósofos Victor Brochard e Wilhelm Busch.