por Ester Alves
Este artigo foi publicado no facebook da Rede de Atendimento Psicanalítico em 2013
Revi um filme chamado “Brilho eterno de uma mente sem lembrança” – Eternal sunshine of the spotless mind, no original. Trata-se da história de um casal diante da separação e do amor, não necessariamente nesta ordem, ou, mais precisamente, na familiar desordem destas experiências que nunca perdem seu caráter de estranheza.
O filme tem muitas coisas interessantes, tais como: 1) a ideia de que experiências não são extirpáveis da mente humana, o que leva a concluir que, assim como na natureza, no psiquismo nada se cria, nada se destrói e tudo se transforma; 2) tal transformação demanda trabalho psíquico; 3) o tecido da nossa história contém o outro em sua trama, o que não implica que este outro possa realizar o trabalho psíquico que compete a cada um de nós; 4) a história de uma pessoa, com seus altos e baixos, com seus inevitáveis altos e baixos, é o que lhe dá lastro, e ver-se sem ela é ficar sem referências, como num diário com páginas arrancadas.
Em psicanálise, a ideia de brilho associa-se à do objeto que envolve atração, que se torna desejável justamente porque brilha e, como tal, constitui-se em promessa de ser ou de trazer consigo aquilo que falta a alguém. Neste sentido, haveria um objeto (uma pessoa, por exemplo) que, com sua presença, traria completude à outrem – estamos próximos da concepção de “alma gêmea”. No entanto, as histórias assistidas (ou vividas) nos mostram que esse suposto encontro nirvânico não passa de combustível que nos coloca num incessante movimento de busca. Esperamos pela completude, mas não a encontramos, e justamente por isso, nos movimentamos.
A personagem do filme, diante da evidência da incompletude e da frustração, oferece o que me parece ser uma dica já sabida, insistentemente esquecida, que convém lembrar: no final do filme, ele nos diz “ok”.